Monitoramento de redes do Ministério da Justiça custa R$42 milhões

Em meio a bloqueio de acesso a dados por plataformas digitais, instituto quer criar repositório que mapeia desinformação online
Monitoramento de redes do Ministério da Justiça custa R$42 milhões
Arte: Heloisa Botelho

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Um fundo federal presidido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) vai investir R$42 milhões na coleta, mapeamento e análise de "expedientes de desinformação", da "disputa digital" e da "manipulação do debate realizado na esfera pública" nas redes sociais.

O acordo foi assinado em nov.2023 e inclui a criação de um repositório de dados e é válido até nov.2026.

A meta é desenvolver uma plataforma aberta que permita ao governo, a pesquisadores e à sociedade civil monitorarem o "impacto desses processos na agenda política do país". As informações estão em contratos, planos de trabalho e relatórios do projeto obtidos pelo Núcleo via Lei de Acesso à Informação (LAI).

O esforço está sendo capitaneado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) – uma organização cujo orçamento em 2023 foi de apenas R$15 milhões.

O financiamento é do Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), que é presidido pela Secretaria Nacional do Consumidor (vinculada ao Ministério da Justiça).

O que é o FDD

Criado em 1985, o Fundo de Defesa de Direitos Difusos existe para reparar "danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, por infração à ordem econômica e a outros interesses difusos e coletivos". Ele é presidido pela Senacon, vinculada ao MJSP, mas também inclui representantes da sociedade civil, Ministério Público Federal e pastas como o Ministério da Fazenda, da Saúde e da Cultura. O fundo é financiado por meio do pagamento de multas, condenações judiciais, indenizações e doações.


É importante porque...

Fundo federal vai investir R$ 42 milhões para instituto criar plataforma de monitoramento de desinformação e disputas digitais nas redes

Em fase inicial, projeto foi aprovado sem ter metodologia clara e precisa superar bloqueio de acesso imposto por plataformas para coletar dados

Ibict afirma que plataforma será aberta e descentralizada, o que irá prevenir o mal uso dos dados coletados


"A proposta é entender como que temas de direitos difusos são discutidos nesses espaços (redes sociais) para que as políticas públicas propostas possam ser trabalhadas de forma condizente com as percepções da população", explica o tecnologista Tiago Braga, diretor do Ibict, que coordena o projeto.

O instituto também é o responsável pela pesquisa que, a pedido do Ministério da Saúde, promete monitorar antivacinas em tempo real, conforme já reportado pelo Núcleo.

Mas o foco da plataforma em parceria com o FDD tem um escopo maior, coletando os debates que tenham direitos difusos na mira.

Governo vai monitorar conteúdo antivacina em tempo real nas redes
Ministério da Saúde firmou parceria com órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia para extrair dados de redes em tempo real

Braga menciona a Lei Maria da Penha, um alvo recorrente de influenciadores de extrema direita, como exemplo. "Ela sofreu ataques e tentaram descredibilizar quem ela foi, e apontar a lei como uma injustiça contra os homens", explica. "É uma desinformação sobre direitos difusos que mata", diz.

O que é o Ibict?

É um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) especializado na criação de acervos digitais e na divulgação científica. O instituto foi o responsável, por exemplo, por desenvolver a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o Canal Ciência. "A nossa missão institucional é criar infraestruturas de informação em ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país", afirma Braga.

CADÊ O MÉTODO

Como o projeto foi aprovado sem uma metodologia definida, o instituto ainda tenta descobrir como vai implementar a proposta. Em março, o Ibict lançou uma chamada pública para empresas fornecerem "soluções tecnológicas de análise de sentimento e acompanhamento do debate público digital" para o projeto.

No entanto, na avaliação do advogado e jornalista André Boselli, assessor de direitos digitais da ONG Artigo 19, é problemático não haver clareza de quais dados coletar das redes e por quê. Ele foi um dos autores do estudo "As práticas de Inteligência de Fontes Abertas (OSINT) são amigas ou inimigas dos direitos humanos?", publicado pela organização.

"É de se perguntar qual a pertinência de se usar esses dados abertos como termômetro (da opinião pública) porque eles dependem dos algoritmos de recomendação dessas plataformas", analisa o pesquisador.

"O conteúdo desinformativo ou não, que viraliza, não reflete uma 'escuta social', e sim o que o algoritmo identificou como tendo potencial para engajar", considera.

Boselli também vê com ressalvas o modo que o projeto toma a ideia de uma indústria da desinformação como ponto de partida. "Enquanto hipótese, faz sentido, mas falta muito estudo empírico para entender como isso funciona, qual a magnitude disso e principalmente qual a interação entre essa suposta indústria e a arquitetura de redes que gera engajamento e viralização desses conteúdos", avalia.

APAGÃO DE DADOS

Essa aposta do governo federal no acompanhamento de debates digitais também ocorre em meio a um avanço no bloqueio na transparência de dados por parte de Big Techs.

Recentemente, a Meta anunciou o fim da ferramenta de monitoramento Crowdtangle e, sob Elon Musk, o X/Twitter dificultou o acesso a suas APIs, que facilitavam a vida de pesquisadores. Reddit, TikTok e Kwai também têm dificuldade a captura de seus dados para esse tipo de análise

Apesar do orçamento milionário, até o momento o projeto gastou só R$ 25 mil, segundo o portal da transparência da Fundep, a Fundação de Apoio da Universidade Federal de Minas Gerais, que está implementando a pesquisa em parceria com o Ibict. O valor foi usado em reuniões e viagens.

💰
R$ 42 mi é muito? O diretor-presidente do Ibict diz que a verba é necessária para contratar coletores de dados, desenvolver coletores próprios e mantê-los ao longo do tempo.

O repasse também prevê a compra de equipamentos para processar dados usando inteligência artificial.

"Esse valor é um montante considerável, mas se você entender quanto que as plataformas digitais investem para fazer tratamento e análise do dados, esse recurso não é nada", diz Braga.
Mais da metade dos custos do projeto vão para a contratação de pesquisadores, funcionários e equipamentos, segundo plano de trabalho obtido pelo Núcleo

Veja quais ferramentas de coleta de dados de redes o Ibict já desenvolveu

A plataforma feita em parceria com o FDD não seria a primeira do instituto a coletar dados de redes sociais, segundo a assessoria do Ibict. O instituto também já desenvolveu as seguintes ferramentas:

TRANSPARÊNCIA É ESSENCIAL

Boselli considera positiva a pretensão de se usar fontes abertas para tentar melhorar políticas públicas, mas também chama atenção para a participação do Ministério da Justiça no financiamento via FDD. "O meu receio com a presença do MJSP é que esse projeto rume para o lado policialesco de um xerife das redes", diz.

Por outro lado, Braga afirma que o Ibict é um órgão independente que terá controle sobre os dados que coletar, e que o governo em si não irá participar da extração dos dados. O mesmo se aplicará aos acadêmicos que forem upar as informações de suas coletas nas redes à plataforma que será desenvolvida.

"Prevemos um acesso compartilhado para todos os entes da República, comunidade civil, imprensa e academia, então além de ter uma governança para estabelecer como pode ou não usar a plataforma, ela vai depender estritamente da confiança dos pares da academia", garante o diretor do instituto.

"Só os metadados vão ficar conosco, enquanto os dados em si vão ficar com os pesquisadores e se houver qualquer desconfiança, a pessoa os tira de lá", diz. "Com o formato descentralizado com cada instituição e pesquisador mantendo a guarda de seus dados, acreditamos que vai ser seguro", explica Braga.

Reportagem Pedro Nakamura
Ilustração Heloisa Botelho
Edição Sérgio Spagnuolo

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