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Foda-se o Twitter e sua API de US$100

A menos de 5 dias do fim da API gratuita como existe hoje, não sabemos sequer o que vai mudar direito
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Linha Fina é uma coluna de opinião sobre mídia e jornalismo

Em primeiro lugar, pra quem questionar: eu não vou sair do Twitter porque eu quero ser um dos usuários a apagar a luz dessa bagaça.

Há muitos anos o Twitter é um termômetro de boa parte do debate político, econômico e social no Brasil e em vários outros países. É uma rede com menos usuários do que Facebook ou Instagram, mas que certamente pauta essas plataformas, o noticiário e as reações de políticos e tomadores de decisões.

Boa parte do que permitiu essa relevância foi o formato direto, conciso e de ágil compartilhamento do Twitter. Quando você vai ler um tweet, sabe que não vai demorar mais de alguns segundos nele antes de ir pros próximos, e, caso queira responder ou compartilhar, vai ser igualmente rápido.

É a rede de preferência – ou ao menos de anúncios – de muitas autoridades, celebridades, personalidades, jornalistas, ativistas, especialistas, acadêmicos, economistas e juristas. Durante os mandatos de Jair Bolsonaro no Brasil e Donald Trump nos EUA, chegou a ser chamado de "diário não oficial", tamanho o peso no debate e no processo de decisão que o Twitter tem.

Mas um dos aspectos que permitiram o avanço do Twitter a um patamar de relevância, um aspecto mais arcano e menos pop: a generosidade de sua API gratuita.

A API gratuita do Twitter permitiu a construção de um ecossistema que vai além de conteúdo.


Em poucas palavras, APIs são recursos fornecidos pelo Twitter (ou por qualquer empresa que tenha produtos digitais) para automatizar o uso da ferramenta por terceiros.

Permitiu o desenvolvimento de sistemas, ferramentas e recursos que vieram depois a ser incorporados pelo próprio Twitter, como o recurso que permite retweets e o agregador Tweetdeck.

Essa mesma API permitiu a criação de automações eficientes, ajudando na publicação de tweets toda vez que um blog ou veículo de notícia solta um novo post ou reportagem, sem a necessidade de um ser humano fazer o trabalho de um robô desnecessariamente.

Permitiu a criação de diversos tipos de bots, dos mais engraçados (tipo @GadoDecider) e inúteis (tipo @eventually_pi) aos mais relevantes (tipo @7co e @RosieDaSerenata) e prestativos (tipo @weber_bot e @RemindMe_OfThis).

Permitiu que jornalistas, acadêmicos, pesquisadores e desenvolvedores criassem monitoramentos para entender o que está rolando na rede social, ajudando a denunciar conteúdos racistas, extremistas, de abuso sexual e de violência extrema.

Permitiu que usuários utilizassem aplicativos alternativos (os chamados clientes) para acessar o próprio Twitter, como o Twitterrific e Tweetbot.

Permitiu que pessoas comuns armazenassem seus tweets em um Google Sheets com apenas um click, e que usuários apagassem todos os seus tweets de uma só vez, aplicando filtros para manter o que quisessem, como no Semipheral.

Outras redes sociais, como Facebook, Instagram, TikTok e YouTube não oferecem uma API tão útil e bacana quanto essa – e os que oferecem estão aos poucos se desfazendo disso também.

Da forma como está sendo aplicada, a decisão de Elon Musk de acabar com sua API gratuita e do nada passar a cobrar US$100 é um tapa na cara de milhares de desenvolvedores, jornalistas, pesquisadores, acadêmicos e empreendedores que construíram aplicações, monitoramentos, recursos e negócios baseados nessa generosa ferramenta que o Twitter fornece há anos.

Não é ok fornecer um recurso por tanto tempo de uma forma, movimentar comunidades, recursos e esforços, e acabar com ele de uma semana pra outra por puro capricho de uma só pessoa.

Eu entendo a necessidade de monetização do Twitter. Afinal, a chegada de Musk piorou tanto a rede social que muitos grandes anunciantes querem passar longe dela, o que deve ter feito despencar suas receitas.

Inclusive, acho justa que haja uma cobrança pela API do Twitter para que a rede possa ser rentável – embora eu tenha certeza que essa cobrança não vai fazer a mínima diferença no rombo de US$44 bilhões que Musk precisa cobrir pela sua desastrada aquisição.

O que é lastimável é que isso está sendo feito de forma abrupta, arbitrária e nada transparente, sem tempo de adaptação e de transição, nem nenhuma possibilidade de saber de antemão como a nova API paga vai ser, pra ver se vai valer a pena pagar por ela.

A menos de 5 dias do fim da API gratuita como existe hoje, não sabemos sequer quais serão os limites de requisições da API (algo muito importante pra desenvolvedores); ou se aspectos técnicos vão mudar; ou se os mesmos tokens de uso continuarão valendo; ou se o volume de download de tweets continuará o mesmo; ou como será a nova forma de credenciamento. Não se sabe quase nada, apenas o valor de US$100.

Anunciaram uma API gratuita mais limitada, mas tudo indica que vai ficar bem aquém do que há hoje.

O Núcleo tem diversas aplicações que rodam em cima de dados de Twitter. São monitoramentos de políticos e autoridades, curadorias de cientistas e de meio-ambiente e bots que ajudam descobrir conteúdos, monitorar debates e trazer transparência a gastos públicos.

Musk está tratorando o Twitter há meses. Era esperado que uma medida assim fosse tomada eventualmente (eu certamente esperava por isso), mas mesmo assim é um choque ver muitos anos de trabalho serem potencialmente dissolvidos do nada.

Só me resta ser indelicado e mandar essa rede à merda.

Edição Alexandre Orrico

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