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* Versão final do PL mantém artigo sobre "imunidade parlamentar" , o que pode desencorajar redes sociais de moderarem conteúdo de políticos
* Ponto-forte do PL, texto detalha obrigações das plataformas na produção de relatórios de transparência
* Veto a publicidade direcionada, que motivou lobby contrário das big techs, saiu da versão final
* Remuneração por conteúdo jornalístico foi mantido, a despeito de críticas por entidades do setor
O texto final do relator do projeto de lei 2630 na Câmara, conhecido como PL da Fake News, propõe proteger parlamentares que difundirem fake news ou conteúdo nocivo de sofrerem punições por parte das plataformas – potencialmente contrariando o objetivo do PL de combater desinformação.
O relatório final do texto na Câmara dos Deputados apresentado nesta quinta-feira (31.mar.2022) pelo relator, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), cita a "imunidade parlamentar" no parágrafo 8º do art. 22, que trata da atuação do poder público. Esse é um dos pontos mais controversos do PL, pois extrapola para as redes sociais a inviolabilidade penal e civil que políticos já recebem sob artigo 53 da Constituição.
Na prática, alertam especialistas, isso pode desencorajar plataformas de moderarem conteúdo publicado por parlamentares, por mais nocivo que seja.
É ✷ importante ✷ porque...
Parlamentares, assim como outros atores do poder público, são constantemente envolvidos na disseminação de desinformação e conteúdo nocivo.
Regra pode blindar parlamentares que divulgarem desinformação nas eleições de 2022
A expectativa é que o PL siga para votação do Congresso em abril.
"Aprovado este artigo, redes sociais serão restringidas, em relação a parlamentares, de fazer a moderação de conteúdo que vale para todos nós. Desde ameaças e agressões a posts antivax e fake news, tudo vai poder circular impulsionado por perfis de alto impacto dessas figuras", explicou o professor da faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Rafael Maffei, em fio no Twitter, em fevereiro.
O artigo 22 também sofreu outras modificações na comparação com o texto que veio do Senado.
Uma delas é que agentes políticos deverão indicar, caso possuam múltiplas contas em uma mesma plataforma, qual é a que representa oficialmente seu mandato ou cargo.
Esta conta principal, explicou o relator em coletiva nesta quinta-feira, deverá atender aos princípios da administração pública e não poderá ser monetizada e nem bloquear usuários, por exemplo. As demais contas ficam isentas das obrigações determinadas pelo PL.
Ou entre para o Lixo Eletrônico
No entanto, caso contas secundárias contenham predominantemente "manifestação oficial própria do cargo destes agentes" elas passam a ser consideradas como institucionais e ficam sujeitas às regras acima, esclareceu o deputado.
O projeto ainda estabelece que agentes políticos e servidores públicos não poderão restringir a visualização de suas publicações por outras contas e que suas informações ficarão sujeitas às garantias de acesso à informação.
A prática adotada pelo presidente Jair Bolsonaro e outras figuras públicas de bloquear jornalistas ficaria, portanto, vetada.
Relatórios de transparência
Um dos pontos fortes do texto, de acordo com o deputado Orlando Silva, trata dos relatórios de transparência que passam a ser obrigatórios para provedores de redes sociais e serviços de mensageria instantânea. Tais documentos deverão ser produzidos semestralmente e disponibilizados online em português.
O relatório final apresentado nesta quinta-feira traz mais detalhes sobre o que os relatórios devem conter:
- número total de usuários;
- número total de medidas aplicadas a contas e conteúdos com base nos termos e políticas de uso das plataformas;
- número total de pedidos de revisão apresentados por usuários a medidas aplicadas a contas e conteúdos;
- número total de medidas aplicadas a contas e conteúdos com base em decisões judiciais;
- número total de medidas aplicadas sobre contas de agentes políticos e servidores públicos;
- características gerais das equipes envolvidas na aplicação de termos e políticas de uso em relação a conteúdos gerados por terceiros;
- número total de medidas de sinalização, remoções ou suspensões que foram revertidas pelo provedor;
- dados agregados sobre alcance comparado de conteúdos identificados como irregulares pelo provedor em relação aos demais conteúdos em veiculação no período;
- informações sobre uso de sistemas automatizados, incluindo a taxa de detecção ativa de conteúdos sinalizados para remoção e detalhes sobre os tipos de ferramenta de detecção;
- atualização das políticas próprias e termos de uso feitos no semestre, incluindo justificativa para alteração.
Versões anteriores do texto já estabeleciam previsões e diretrizes para a atuação do Comitê Gestor da Internet, que terá a função de produzir estudos e indicadores, além de guiar plataformas na elaboração de seus Códigos de Conduta.
O texto desta quinta-feira apresenta uma nova possibilidade de atuação para o CGI, que poderá solicitar diretamente aos provedores informações sobre as "metodologias utilizadas para a detecção de desconformidades que motivaram a intervenção em contas e conteúdos gerados por terceiros..."
O relator explicou que retirou-se do rol de informações que devem ser disponibilizadas pelas plataformas nos relatórios de transparência estes detalhes específicos, como metodologias, que poderiam ser apropriados por "agentes maliciosos" para o cometimento de crimes.
Prazos
Segundo o deputado, o relatório final está pronto para ser oferecido para apreciação do plenário da Câmara dos Deputados nos próximos dias, algo que ele manifestou ao presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL).
A expectativa do relator é que o texto tenha sua tramitação concluída no Congresso ainda em abril.
O projeto de lei trabalha com um escalonamento de prazos de vigência, o que significa que alguns artigos entrarão em vigor antes de outros. Artigos que exijam o desenvolvimento de produtos por parte das plataformas entrarão em vigor um ano após a publicação da lei.
Já outros entram em vigor em 90 dias, prazo que havia sido pensado pelo Senado, enquanto alguns passam a valer na publicação da lei.
Segundo o deputado, não haverá nenhum problema na incidência dos dispositivos do PL 2630 nas eleições de outubro.
Isso porque o princípio da anualidade eleitoral, que exige que uma regra entre em vigência pelo menos um ano antes das eleições, só é válida para regra eleitoral, o que não se aplica neste caso.
Big Tech ganha uma
Na coletiva, o deputado Orlando Silva disse que quando um texto não agrada muito a nenhuma das partes, é um bom sinal. Sociedade civil, veículos de imprensa, políticos de direita e de esquerda e Big Techs têm demonstrado preocupação com os rumos que a legislação tomou.
A insatisfação das associações de jornalismo com relação à remuneração de conteúdo jornalístico pelas plataformas permanece, já que o artigo 38 foi mantido na versão final.
À época da aprovação no Senado, o projeto já havia sido largamente criticado por organizações nacionais e internacionais, que apontavam graves prejuízos à liberdade de expressão, privacidade e proteção de dados.
Também houve críticas à excessiva celeridade da tramitação, incompatível com a complexidade do tema, e à falta de transparência, que exclui do debate outras partes relevantes.
Na versão final, as Big Techs saem com uma vitória, entretanto.
Uma das principais reclamações das empresas e do setor publicitário dizia respeito ao artigo 7º, que vetava a combinação do tratamento de dados pessoais de serviços essenciais dos provedores com os de serviços prestados por terceiros. De maneira prática, isso significa que os dados não poderiam ser usados para direcionar publicidade digital, por exemplo.
Big Techs argumentavam que a medida poderia afetar pequenas empresas – mas certamente afetaria negócios significativamente os negócios de Google, Facebook e gigantes do setor.
Na versão final do PL, esse veto caiu, mas fica estabelecido que o uso "somente poderá ocorrer de acordo com a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 – Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, desde que esta combinação não tenha como objeto ou efeito restringir a concorrência nos termos do art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro, de 2011”.
“Havia a interpretação de que a lei poderia impedir a publicidade de pequenos negócios e prejudicar a indústria. Fiz um esforço grande para rever esse artigo e termos cuidado de proteger tanto as pessoas quanto à concorrência do mercado”, disse o deputado Orlando Silva.
Nas últimas semanas, havia se visto um endurecimento do discurso por parte das empresas de tecnologia que operam no Brasil. Algumas se uniram para escrever carta criticando o PL, enquanto a Meta investiu em anúncios de página inteira para alertar sobre as consequências negativas do projeto e o Google patrocinou posts e fez uma grande campanha contra o trecho.
Leia o relatório final na íntegra:
Texto Laís Martins
Edição Sérgio Spagnuolo
Texto atualizado às 19h13 de 31.mar.2022 para deixar claro que relatório apresentado nesta quinta-feira é o texto final do relator.