A tiktokzação do Instagram

A estratégia da Meta para conter o crescimento do TikTok é a mesma usada contra o Snapchat: copiar o rival sem nenhum pudor. Vai funcionar desta vez?
A tiktokzação do Instagram
Rodolfo Almeida
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Raio-x é uma editoria de análise crítica do Núcleo e contém opiniões

Em novembro de 2013, o Wall Street Journal revelou que o Snapchat havia rejeitado uma oferta de US$ 3 bilhões do Facebook.

Tentar comprar um concorrente direto era uma das armas de Mark Zuckerberg, co-fundador e CEO do Facebook, para neutralizar a concorrência. Já a havia empregado no Instagram, um ano antes, e voltaria a usá-la no futuro para levar o WhatsApp.

Outra arma menos eficaz e também já em uso àquela altura era clonar a principal funcionalidade dos rivais em novos aplicativos. No caso do Snapchat foram algumas tentativas, como os imemoráveis Poke (em 2012) e Slingshot (2014).

O primeiro era uma espécie de app de mensagem que permitia conversas com amigos da rede social, com compartilhamento de imagens e vídeos. Todas as mensagens enviadas eram destruídas dez segundos após a visualização. Via Tecmundo
O segundo permitia que o usuário visse o conteúdo de amigo apenas se enviasse uma foto ou vídeo de volta. Via Tectudo

São realmente cópias do Snapchat com diferenças beeeem sutis.

A rejeição da oferta bilionária pelo Snapchat e o fracasso dos clones originais (uma contradição em termos, mas você entendeu…) levou a uma aposta arriscada da rede de Zuckerberg: alavancar o Instagram, àquela altura já bem grande, mas um tanto menor que a rede social Facebook, para interromper de uma vez por todas o crescimento acelerado do Snapchat.

Em agosto de 2016, o Instagram ganhou os stories, a publicação de fotos e vídeos que desaparecem após 24 horas. Era uma cópia perfeita do recurso concebido pelo Snapchat e, até aquele momento, seu grande diferencial.

A história se repete

A instrumentalização do Instagram foi um sucesso indiscutível, de público e estratégico. O Instagram virou sinônimo de stories e conseguiu frear o crescimento do Snapchat.

Paralelamente, de maneira tácita, o Instagram deu carta branca a toda indústria para copiar esse formato também, o que foi feito à exaustão – a ponto de transformar em meme a inserção de stories em quaisquer lugares, desde templates de Google Web Stories até inspirações para publicações jornalísticas.

Menos de uma década depois, a história se repete.

A rede em ascensão dessa vez vem da China, e é o TikTok. O produto, os vídeos curtos, pesadamente editados e que ocupam toda a tela, recomendados por um algoritmo poderoso e ainda mais opaco que o das redes sociais ocidentais.

Embora detalhes ainda sejam poucos, em algumas ocasiões o TikTok ou a imprensa já detalharam como funciona o algoritmo, como essa matéria do Axios ou essa do New York Times.

Seu tempo vale mais que tudo para o TikTok
Documento interno visto pelo New York Times detalha o funcionamento do algoritmo da rede social

Agora, porém, a ByteDance (dona do TikTok) cresceu rápido demais para ser comprada. Zuckerberg nem tentou, foi direto à cópia. Recorreu outra vez ao Instagram para lançar os chamados Reels em agosto de 2020.

O nome Reels é estranho, mas na prática é o TikTok dentro do Instagram.

O TikTok tem se mostrado um rival melhor preparado, mais resiliente que o Snapchat. Quase dois anos depois da introdução dos Reels no Instagram, a rede chinesa ainda não dá sinais de desaceleração, e em set.2021 alcançou 1 bilhão de usuários, sendo o app #1 em downloads no ano passado.

Essa distinção talvez explique a desfiguração pela qual o Instagram está passando, como se Zuckerberg estivesse disposto a dobrar ou triplicar sua aposta.

Se funciona é pra usar

Não bastasse jogar na cara do usuário os Reels a todo momento, com chamadas no meio do feed e entre os stories, o Instagram está testando ou já incorporou diversos recursos do rival, como um leiaute idêntico ao feed do TikTok, legendas automáticas e “colabs”.

Junto a essa investida, o Instagram sofre com a natureza secundária dos Reels, como se o app fosse um repositório de vídeos de outras plataformas, já que uma avalanche de vídeos publicados originalmente no TikTok são reaproveitados nos Reels, sem pudor, com marca d'água e tudo.

A Meta sabe que o público prefere o TikTok, como relevaram os Facebook Papers, e implementou mudanças no algoritmo para estimular a publicação de vídeos originais nos Reels — ou, posto de outra forma, pedir encarecidamente às pessoas para que parem de repostar vídeos baixados do TikTok no Instagram.

Se os stories do Snapchat ensejaram apenas uma nova fileira de bolinhas no topo da tela, o TikTok está causando uma reformulação quase que completa do aplicativo.

Estamos presenciando, neste momento, uma tiktokzação do Instagram.

Entre as grandes plataformas sociais, a “inspiração” excessiva no TikTok não é exclusividade da Meta.

O YouTube também copiou o formato, ali chamado de Shorts, e informou recentemente que os vídeos curtos já são vistos 30 bilhões de vezes por dia, quatro vezes mais que um ano antes. O Twitter está testando uma visualização de feed similar à do TikTok.

Nenhuma empresa, porém, foi tão fundo quanto a Meta. Ali, a cópia transcende a forma e chega ao conteúdo, ou ao algoritmo.

Não surpreende, pois, que Adam Mosseri, head do Instagram, diga que a rede deixou de ser uma de fotos para tornar-se uma de vídeos, nem o excesso de conteúdos “recomendados”, de perfis que não seguimos, inundando o feed e outras partes do Instagram.

Em 2016, logo após o lançamento dos stories, o então CEO do Instagram, Kevin Systrom, rebateu as críticas de que seu aplicativo havia copiado o Snapchat admitindo que havia copiado mesmo:

“Vamos pegar o Instagram em seu primeiro dia: o Instagram era uma mistura do Hipstamatic, Twitter [e] algumas coisas do Facebook, como o botão ‘Curtir’. Você consegue rastrear as origens de cada recurso que qualquer um tem em seu aplicativo em algum ponto da história da tecnologia.”

A mesma justificativa está sendo usada novamente na disputa com o TikTok.

Na última divulgação de resultados financeiros, Zuckerberg disse que viu, nesses 18 anos desde que fundou o Facebook, várias transições de formatos de mídia, e que os vídeos curtos são apenas a mais recente delas. E que, desta vez, a inteligência artificial vem de carona para reorganizar os feeds.

Estamos passando, segundo Zuckerberg, de uma lógica de curadoria manual para uma entrega total dessa curadoria a algoritmos — exatamente o que o TikTok faz.

Os Reels já respondem por 20% do tempo gasto no Instagram.

Edição Sérgio Spagnuolo

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