Receba nossas newsletters de graça
O adolescente de 16 anos responsável pelo ataque na Escola Estadual Sapopemba, na zona leste de São Paulo, falou sobre cometer o crime um dia antes pelo Discord, segundo informações apuradas pelo Núcleo.
Meses atrás, vídeos do menor sendo agredido se tornaram virais no TikTok. Imagens do ataque e do autor também circularam na rede logo após o crime, na segunda-feira (23.out).
O ataque resultou em dois adolescentes feridos e uma fatalidade, uma adolescente de 17 anos. Ambas as plataformas enfrentam dificuldades para combater a radicalização de jovens.
É ✷ importante ✷ porque...
Discord e TikTok têm tido problemas em moderar conteúdo extremista no Brasil e no mundo
Justiça brasileira tem dificuldade de acionar redes sem representação no país, o que dificulta o combate à violência e incitação à ataques em escolas
No Twitter/X, conhecido por sua falta de moderação de conteúdo principalmente após a aquisição por Elon Musk, o adolescente compartilhava piadas preconceituosas de cunho racista, algo proibido pelas diretrizes do X.
Por meio de perfis terceiros na plataforma, a reportagem encontrou vídeos que o adolescente postou no TikTok com suásticas desenhadas no rosto. A conta em que o conteúdo foi publicado está inativa (não conseguimos confirmar se foi removido pelo usuário ou pela plataforma, já que o Twitter/X não possui mais assessoria de imprensa).
“QUERIA ME SENTIR PODEROSO”
A reportagem teve acesso às capturas de tela onde o perfil do jovem no Discord, atualmente fora do ar, anunciou o ataque em uma conversa privada com uma jovem. Na madrugada de domingo, ele disse que realizaria o ataque na segunda-feira. As imagens fazem parte da investigação da Polícia Civil de São Paulo.
Em uma das conversas, o adolescente respondeu que desejava sentir-se poderoso quando questionado sobre o motivo do ataque.
“Eu já sofri bullying mas sinceramente não me importo com vingança nenhuma. Quero controlar o tempo que a pessoa vai ficar viva”, escreveu na conversa no Discord que o Núcleo teve acesso.
As configurações do Discord dificultam que os usuários denunciem conversas privadas à equipe de moderação da plataforma. Na semana passada, a empresa anunciou novas funcionalidades destinadas a “melhorar a segurança e a experiência” dos adolescentes que utilizam a rede.
As próximas funcionalidades, incluindo alertas de segurança e filtros de conteúdo sensível, serão implementadas nas próximas semanas, segundo o Discord. A empresa também diz que as “novas proteções” incluem mensagens de texto privadas (as chamadas DMs).
Em nota ao Núcleo, o Discord disse que “está ciente do trágico ataque que ocorreu na escola em Sapopemba, em São Paulo” e que tem cooperado com as autoridades.
VEJA A ÍNTEGRA DO POSICIONAMENTO DO DISCORD
Estamos cientes do trágico ataque que ocorreu na escola em Sapopemba, em São Paulo, e temos cooperado com as autoridades, assim como fizemos desde o início deste ano para outras investigações, como na Operação Escola Segura.
Em junho, a Polícia Federal lançou uma operação para prender cinco criminosos que virtualmente torturaram pelo menos 15 vítimas, muitas vezes transmitindo esses atos ao vivo pela plataforma.
Temos políticas rigorosas contra atividades que promovam violência e ódio, incluindo "não ameaçar ou prejudicar outro indivíduo ou grupo de pessoas". Quando tomamos conhecimento de conteúdo ou comportamento potencialmente prejudiciais, investigamos e tomamos as devidas medidas, incluindo: remover conteúdo, banir usuários e desativar servidores. Estamos comprometidos em cooperar com as autoridades locais para proporcionar um ambiente positivo e seguro para nossos usuários no Brasil.
VÍDEOS DE AGRESSÕES NO TIKTOK
O TikTok possui diretrizes rígidas contra bullying. No entanto, desde maio deste ano, vídeos do atirador de Sapopemba sofrendo agressões físicas por sua orientação sexual e identidade de gênero circulam na plataforma. Alguns deles têm milhares de visualizações.
Em abril deste ano ele chegou a registrar um boletim de ocorrência contra uma colega por conta de bullying.
Na tarde de segunda-feira, vídeos e fotos tanto do ataque quanto do atirador já circulavam no TikTok. Especialistas alertam que a divulgação de nomes e fotos desses criminosos, mesmo quando feita com propósitos informativos, pode ter o efeito de incentivar outras pessoas que estejam considerando cometer crimes semelhantes.
Por este motivo, o Núcleo não vai revelar nome, imagens ou prints de conversas que fundamentaram esta reportagem.
OPERAÇÃO ESCOLA SEGURA
Iniciada em abril, paralelo a uma onda de ameaças e massacres em escolas brasileiras, a Operação Escola Segura é uma iniciativa conjunta do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Polícia Federal (PF) de combate aos incentivos e planejamento de ataques em escolas brasileiras.
Os dados mais recentes sobre os resultados operação são de 3 de outubro. O Ministério informou que já realizou “917
solicitações de preservação e/ou remoção de conteúdo em redes sociais”, além de “412
solicitações de dados cadastrais nessas redes”.
Em 21 de setembro, o governo divulgou que quase mil profissionais de segurança pública participaram de um treinamento conduzido por um executivo do Discord. O objetivo era orientar as autoridades sobre como “fornecer orientações mais claras sobre como enviar solicitações adequadas de processos judiciais ao Discord e obter uma resposta mais rápida da empresa”.
De acordo com o MJSP, outros dez workshops do Discord ocorreram entre autoridades policiais e o Ministério Público nos últimos meses. A reportagem enviou uma série de perguntas para a assessoria do ministério, que não foram respondidas até o momento de publicação desta matéria.
Tem dicas de histórias sobre o impacto da tecnologia na vida das pessoas? Fale com a repórter Sofia Schurig por email.
Ainda segundo o comunicado do MJSP, o Discord relatou ter desativado “proativamente 98%
dos servidores que estavam violando as suas políticas de segurança infantil, o que evitou que mais crimes fossem cometidos na plataforma”.
Um relatório recente reportado pelo Núcleo descreve como a subcomunidade de apoio aos massacres escolares no Twitter/X praticamente desapareceu devido à pressão das autoridades brasileiras.
Mas esses indivíduos passaram a migrar para plataformas mais privadas, como o Discord e o Telegram, onde crescem canais relacionados à radicalização de neonazistas brasileiros.
Reportagem Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico
Texto atualizado em 25.out.2023 às 11h38 para corrigir três informações. 1. Erroneamente, o Núcleo afirmou que o Discord não possuía representação legal no Brasil, mas a empresa é representada pelo escritório Licks; 2. corrige também informação de que as novas proteções do Discord não incluiriam mensagens diretos – segundo representante, incluem sim; 3. as mudanças de segurança serão implementadas nas 'próximas semanas' e não no ano que vem.