Como funcionários das gigantes de tecnologia avaliam as empresas no Glassdoor

Demissões em massa parecem ter afetado pouco as notas gerais das Big Tech no Glassdoor, uma plataforma de avaliações anônimas de empregos
Como funcionários das gigantes de tecnologia avaliam as empresas no Glassdoor
Arte de Rodolfo Almeida

As demissões em massa que varreram as principais plataformas digitais deixaram uma marca profundamente sentida nos escalões mais baixos das empresas, de acordo com relatos de profissionais brasileiros do setor de tecnologia no Glassdoor, uma plataforma de avaliações de empregos mantida de forma anônima.

O Núcleo analisou avaliações de 12 empresas de tecnologia, que abrangem desde plataformas de comércio online até redes sociais, com o objetivo de compreender os resultados dessas ações e avaliar o ambiente de trabalho na indústria.


É importante porque...

É difícil obter insights internos sobre a cultura corporativa de grandes empresas de tecnologia devido aos acordos de confidencialidade

As avaliações analisadas pelo Núcleo mostram que os funcionários em posições mais baixas, como moderação de conteúdo, apontam mais dificuldades em suas funções


As vozes expressas nas avaliações indicam que as ramificações dessas demissões foram mais intensamente percebidas por funcionários ocupando posições menos elevadas, revelando uma disparidade nas experiências dentro dessas organizações.

Entre as empresas examinadas, nove promoveram desligamentos em conjunto, afetando dezenas de milhares de colaboradores.

Apesar da incerteza quanto ao número exato de profissionais brasileiros afetados, os dados indicam que os cortes impactaram a região de maneira contundente. No entanto, essas reduções no quadro de funcionários não parecem ter afetado as avaliações gerais das organizações por parte dos brasileiros no Glassdoor.

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O Núcleo analisou as avaliações das seguintes empresas: Amazon, Apple, ByteDance, Google, Kwai, MercadoLivre, Meta (que inclui Facebook e Instagram), Microsoft, TikTok, Twitter, Spotify e Uber.

Empresas como Spotify, Kwai, TikTok e Uber apresentam algumas das piores avaliações no banco de dados. Isso se reflete tanto nas notas individuais dadas por atuais e ex-funcionários, quanto no ranqueamento da cultura corporativa interna.

Além das avaliações individuais, que detalham os prós e contras do trabalho com filtragem por região e vínculo empregatício, os usuários do Glassdoor podem avaliar aspectos da cultura interna — como diversidade, remuneração e benefícios — utilizando uma escala de um a cinco estrelas.

Glassdoor pode não ser um retrato fiel da realidade

O QUE SABEMOS. As avaliações no Glassdoor incluem informações sobre o cargo do avaliador, quando tempo ele passou na posição, sua localização e uma lista de aspectos positivos e negativos em relação à empresa.

O QUE NÃO SABEMOS. Não sabemos nomes ou quaisquer informações que possam identificar a pessoa que conduziu as avaliações.

ENTENDA. É fundamental notar que, apesar de ter sua sede em São Paulo, o Glassdoor não é amplamente popular entre os trabalhadores brasileiros, o que pode impactar a representatividade das avaliações individuais e agregadas das empresas. Portanto, os dados devem ser interpretados com cautela, uma vez que podem não refletir completamente a realidade.

OK, ENTÃO PQ USAR? Apesar disso, os dados da plataforma continuam pertinentes, uma vez que é uma das únicas fontes de informações internas dessa indústria devido a acordos de confidencialidade e também ao receio de compartilhar publicamente experiências que possam prejudicar futuras oportunidades de emprego na área.

VALE SABER. Em 2020, uma pesquisa indicou que 65% dos profissionais de tecnologia relataram ter assinado termos de confidencialidade com seus empregadores, e 38% desses trabalhadores afirmaram que esses acordos os impedem de discutir “injustiças no ambiente de trabalho”.

Globalmente e no Brasil, o Google lidera avaliações individuais, com elogios destacados. No geral, as notas ressaltam ambiente positivo, salários competitivos, oportunidades de crescimento e reputação global da empresa.

Enquanto alguns pontos negativos surgem, como desafios em metas e trabalho remoto, a predominância é de experiência positiva.

Em jan.23, o Google demitiu 6% de seus funcionários globalmente, atingindo também trabalhadores brasileiros. Como revelado pelo Núcleo, quatro meses depois, a empresa promoveu um evento para jornalistas em um resort de golfe no interior de São Paulo.

Apesar da decisão severa de Elon Musk de demitir 85% dos funcionários e fechar a divisão brasileira, o Twitter/X é avaliado positivamente por brasileiros, apresentando uma pontuação cerca de 39% superior à avaliação global.

Embora as avaliações em inglês geralmente adotem uma postura predominantemente crítica, espelhando experiências recentes extremamente negativas, as avaliações brasileiras seguem uma abordagem distinta, elogiando a antiga gestão com um tom de pesar.

Após a mudança de liderança, o Twitter contou com nove avaliações de cidadãos brasileiros, com oito recebendo notas máximas e somente uma sendo classificada com a nota mínima. Essa quantidade limitada de avaliações indica que a média superior em relação à média global pode também ser impactada pela amostragem reduzida.

A rede social, juntamente com Microsoft e Apple, compartilha o segundo lugar no ranking brasileiro.

A avaliação da Apple destaca uma notável discrepância: vendedores e técnicos em posições inferiores fornecem as avaliações mais baixas, citando salários mínimos e um ambiente de trabalho desfavorável, incluindo longas horas em pé e uma cultura interna “estressante”. Em contraste, desenvolvedores e programadores, principalmente na região Sudeste, avaliam a Apple positivamente e afirmam receber uma remuneração e benefícios satisfatórios.

No caso da Microsoft, os elogios predominantes estão relacionados aos generosos benefícios e remuneração oferecidos pela empresa. Além disso, muitas avaliações ressaltam um ambiente de trabalho positivo e equilibrado, com flexibilidade e oportunidades de crescimento profissional.

No entanto, aspectos desafiadores identificados pelo Núcleo, como longas jornadas e inseguranças geradas por demissões frequentes, também são consistentes com o cenário enfrentado pelas outras 12 empresas analisadas.

“Demissões são comuns em empresas Big Tech, e gostaria de sentir mais estabilidade. Compreendo que 100% de estabilidade só ocorre em órgãos públicos, mas mesmo em empresas privadas seria melhor evitar isso”, escreveu um atual funcionário da Microsoft.

Três das quatro empresas que se destacam no segundo lugar do ranking demitiram coletivamente 27.400 pessoas entre 2022 e 2023, de acordo com os cálculos do Núcleo.

A Apple também realizou demissões em massa, mas não divulgou publicamente o total de funcionários afetados.

Como o Glassdoor modera e filtra avaliações?

Na plataforma, as avaliações são moderadas em duas etapas. Primeiramente, um filtro tecnológico é acionado, analisando detalhadamente vários atributos do conteúdo.

Se o conteúdo não passar por esse filtro, moderadores humanos entram em ação, avaliando-o conforme as diretrizes estabelecidas.

As empresas não têm a capacidade de remover avaliações negativas, e o Glassdoor afirma manter neutralidade em disputas e que não age como árbitro nas avaliações. No entanto, caso haja indícios de incentivo ou coação na publicação de conteúdo, ele é removido.

O Spotify ocupa o segundo lugar com a pior classificação entre todas as empresas, sendo também a plataforma mais mal-avaliada.

Críticas ecoam na sede brasileira, apontando a lacuna da ausência de um departamento de Recursos Humanos, somada a relatos de supostas demissões injustas de funcionários que arriscaram denunciar assédio. Avaliações individuais também destacam que a matriz nos Estados Unidos aparentemente orienta a sede brasileira, negligenciando as leis locais, incluindo a decisão de reduzir os salários fixos das equipes durante a pandemia.

Já a Uber compete com o TikTok pelo terceiro lugar no ranking de empresas mais mal-avaliadas, sendo a segunda plataforma com piores notas. Muitos avaliadores são motoristas do aplicativo de corridas, cujo trabalho não é reconhecido como vínculo empregatício, mas sim como “colaboração” terceirizada. No Glassdoor, eles relatam jornadas de até 10 horas diárias com remuneração injusta.

Essas experiências negativas descritas na plataforma também aparentam se estender aos escritórios da Uber, onde áreas como marketing, suporte ao cliente e desenvolvimento de produtos mencionam contratos irregulares, falta de feedback da liderança e alta carga de trabalho.

A recessão na indústria de tecnologia acabou?

O Layoffs Tracker do TrueUp.io estima que cerca de 333 mil pessoas tenham sido demitidas de empresas de tecnologia ao longo de 2023. Essas empresas englobam desde aquelas focadas em inteligência artificial até as envolvidas com criptomoedas e hardware.

Segundo o site, janeiro de 2023 foi o mês mais impactante, com cerca de 108 mil demissões, enquanto em julho 14.640 pessoas perderem seus empregos.

Recentemente, o Business Insider reportou que grandes empresas de tecnologia, em sua maioria, encerraram as demissões e algumas até recontrataram funcionários dispensados, como a Meta.

CRÍTICAS ÀS EMPRESAS CHINESAS

O Núcleo notou que a Kwai, a empresa mais mal-avaliada entre as 12, assim como o TikTok e sua empresa mãe, a ByteDance, acumulam muitas avaliações críticas de funcionários atuais e ex-funcionários.

No entanto, essas experiências negativas parecem afetar principalmente os moderadores de conteúdo, encarregados de assegurar a conformidade com diretrizes e remover conteúdo inadequado em uma plataforma.

No caso do TikTok, a maioria das avaliações vem de pessoas que trabalham ou trabalhavam na divisão corporativa, incluindo moderação de conteúdo, marketing ou vendas. Um ponto comum levantado por aqueles que revisam o conteúdo é a sensação de trabalho “robotizado”, com métricas de produtividade aparentemente difíceis de alcançar. Algumas avaliações sugerem que os moderadores do TikTok estão deixando seus cargos devido ao impacto psicológico do trabalho.

Relativas à ByteDance, críticas incluem lideranças inadequadas e suposta falta de comunicação interna eficaz. Por exemplo, questões como “enviar funcionários para áreas perigosas por capricho” e a “insuficiência das instalações dos escritórios para a equipe” foram alvo de reprovação. Entre 22 e 23, a empresa demitiu 13,6 mil pessoas globalmente.

Um ex-moderador de conteúdo, com menos de um ano de experiência na empresa, criticou as métricas de produtividade, sentindo-se como “um hamster na roda” de melhorias frequentes que muitas vezes não atingem as expectativas da empresa. A pessoa enfatizou a preocupação com o conteúdo perturbador, explicando que, ao longo do tempo, criou uma barreira psicológica para lidar com isso.

“Era o que menos me afetava porque, com o tempo, você se torna mais frio para criar uma barreira psicológica e não te afetar tanto, mas você sempre pode ver algum gatilho seu ou algo extremamente desconfortável”.

No contexto das 12 empresas, o Kwai se destaca com a avaliação mais desfavorável, frequentemente alvo de críticas em relação à gestão de colaboradores, com menos avaliações em comparação com outras empresas chinesas.

Algumas das principais queixas incluem quebras de promessas de benefícios e progressão de carreira, bem como processos internos pouco claros e ineficazes.

Funcionários também ressaltam uma suposta falta de compreensão da liderança chinesa sobre o mercado brasileiro, ponto também observado entre as avaliações do TikTok e da ByteDance.

No entanto, também surgem críticas sobre supostas práticas abusivas, incluindo alegações de demissões em massa. Durante a análise, o Núcleo não encontrou informações públicas sobre esses cortes. “Muita desorganização, mudanças constantes de direção e uma abordagem que trata os funcionários como descartáveis”, escreveu alguém sobre pontos negativos de trabalhar para o Kwai.

COMO FIZEMOS ISSO

Buscamos pelas empresas no Glassdoor usando filtros de localização e analisamos os resultados para ver as melhores e piores avaliações. Em seguida, compilamos os dados públicos em ferramentas de visualização.

Reportagem e Gráficos Sofia Schurig
Arte Rodolfo Almeida
Edição Alexandre Orrico

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